Preparação pelos Judeus (cf. Ex 12; Dt 16;36; Lv 23).
A Origem mais remota deste sacramento, se resume na prática memorial dos judeus, que celebram sua páscoa anual trazendo presente a grande libertação do povo de Israel que de escravos no Egito, passaram à liberdade e conquista de uma terra prometida.
Por séculos e séculos essa liturgia judaica ganhou diversos contornos e variadas celebrações que giram em torno do acontecimento da Páscoa. Dentre os ritos mais conhecidos destacou-se muito, os ritos de peregrinação, de purificações e de sacrifícios no Templo de Jerusalém. Porém, tanto nas famílias como nas sinagogas (comunidade mais periféricas do mundo judaico) encontrar-se-á diversas outras celebrações que marcaram a história da revelação de Deus ao povo escolhido, o povo judeu. A mais marcante é a Pessách. Trata-se de uma solene refeição ritual com uma série de elementos simbólicos que rememoram os acontecimentos da páscoa dos judeus.
Para nós, Cristãos, estes acontecimentos, rituais e toda a história contada, ritualizada e presente na tradição dos judeus, que conhecemos por História da Salvação, é uma preparação (pré-figuração) do que Jesus realizará de modo pleno, definitivo e completo.
Com Jesus, por Ele e Nele
Com Jesus Cristo nós temos, de fato, a Páscoa. Não que seja maior que a dos judeus. Mas, como bem expresso, a coroa e a ressignifica levando-a à sua plenitude. Jesus inaugura a nova e eterna páscoa. O Memorial de Jesus, a celebração que Ele inaugura, os ritos que se desenrolam da sua revelação, tem um totalmente novo e diferente. Não se trata de uma lembrança marcante e comemorativa de um fato passado, de um acontecimento significativo, nem tampouco de um gesto simbólico, tradicional. Para os judeus a memória não é o fato, para Jesus a Memória ritualizada do fato é o fato atualizado no presente. Ou seja, o que Jesus inaugura é um acontecimento que se eterniza no tempo e no espaço, enquanto decorre o rito pelo auxílio direto do Espírito Santo, o próprio espírito de Cristo Jesus. O Ritual inaugurado por Jesus, o faz presente em corpo, sangue, alma e divindade, e todos os mesmos efeitos concretos, palpáveis, presentes do fato fundante.
E o fato fundante é a síntese de toda a Vida de Jesus, como citado acima o “Mistério Pascal” quando esteve presente, feito humano no meio de nós. Sua presença não cessou mesmo depois de sua passagem histórica, ela é, conforme nos traz a sagrada tradição da Igreja, TRANSISTÓRICA, ou seja, atravessa a história em todo o tempo e lugar: “onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, ali eu estarei” (Mt 18,20), como prometeu e cumpriu o Senhor Jesus.
Os fatos fundantes deste Sacramento – MITÉRIO PASCAL = MISTÉRIO DA VIDA DE JESUS
Os Fatos e eventos chamados “fundantes” do Sacramento da Eucaristia, ou seja, aqueles que a tradição da Igreja, orientada pelo Espirito Santo, foi compreendendo e clarificando ao longo da história da Igreja de Jesus, estão nos seguintes acontecimentos com seu sentido mistagógico.
NOTA: “Mistagogia”/”Mistagógico” – é o modo como o Mistério divino se dá a conhecer pelo ser-humano. O Mistério é totalmente comunicado, Deus se deu a conhecer totalmente, porém, por ser tão imensamente infinito vai pouco a pouco, por meio dos Ritos revelando sua face ao que crê e entra no processo celebrativo da fé: A Liturgia.
O Nascimento de Jesus em Belém (cf Mt 1-2; Lc 2-4; Jo 1)
A palavra “Belém” significa Casa do Pão. Seguramente as primeiras comunidades que compilaram essa narrativa do nascimento do Senhor, conseguiram perceber uma certa conexão do sentido da Eucaristia, como Deus que se faz “alimento”, como Deus quer nutrir a essência humana. Há uma fome na humanidade, fome de Deus, fome que se traduz em tantas circunstâncias e em última análise é o anseio de um sentido de vida e de felicidade.
Jesus é “o Alimento”, Jesus é “o Pão”, desde seu nascimento (sua encarnação), Jesus é o alimento sagrado. Veja que detalhe interessante que a teologia litúrgica oriental resgata de modo tão belo nesta linha. Reverenciar o fato de o menino nascer em uma manjedoura. Manjedoura significa, lugar do alimento. Teologicamente, ou seja, nos é dado de revelação, por este evento, que Jesus nasce para alimentar a fome de toda a humanidade, a fome de uma vida plena, vida em abundância, vida eterna. Mais ainda, não só a “fome” da humanidade, mas perceba, ele está no coxo, local onde os animais se alimentam. O que significa que a Eucaristia, Deus feito alimento, vai nutrir de vida plena toda a criação e não só a humanidade.
Com Ele começa a Nova Criação. Depois do 7º Dia, Jesus inaugurará o 8º Dia que será novamente o primeiro dia da Nova Criação. De modo que a criação agora não é só regida pelo Pai, o Genesis é Obra da Trindade, ganha novo sentido e nova interpretação
Nota: Os dias têm sentido teológico e não numérico, cada número, remonta a numerologia judaica que vai além do sentido matemático. “Os dias” não se trata das vinte quatro horas, mas dos séculos e milênios de um processo de auto-comunicação amorosa de Deus aos que ele mesmo criou e quer que se realizem como obras primas de suas mãos. Jesus deixa mais claro esse processo quando aparece na história e, ao enviar seu Espírito.
No sinal das Bodas de Caná (cf Jo 2)
Uma segunda narrativa teológica, “as Bodas Caná”, também está cheia de elementos eucarísticos. Sinteticamente, Jesus transforma água em vinho, porém se aprofundarmos mais o texto, veremos que, da antiga aliança representada na festa de casamento e nas seis talhas de água vazias, Jesus transforma a “festa frustrada” triste, sem alegria, sem vinho. Jesus providencia o Vinho, e não é qualquer vinho é o melhor Vinho. Os teólogos e místicos antigos da Igreja, reconhecem que este “Vinho Novo” se trata do próprio Jesus, ele é o Vinho mais esperado, que traz a plenitude da alegria.
Outro elemento interessante neste episódio que nos remete às origens da Eucaristia é o fato de que a sensibilidade e profundidade do autor joanino deixa claro que todo o desenrolar do acontecimento tem participação direta dos discípulos de Jesus, de sua Mãe e dos serviçais da festa. Isso já é um forte elemento a se observar, a Eucaristia é sempre um Ritual Comunitário, de participação. Essa é uma outra novidade de Jesus e de como ele nos revela o modo de Deus interagir com o ser humano. Deus sempre considera a participação humana na sua obra, e assim quer que seus mistérios sejam vivenciados. Gesto de amor e misericórdia tão infinitas de Deus.
Por fim, além de outros elementos importantes, vale ressaltar o aspecto do festejar, do celebrar. A aliança de um amor conjugal sempre é motivo de festa, porque ali começa e recomeça uma nova família que gerará novas vidas, seja no amor construtivo do casal que se une, seja nos filhos que deles virão. A Eucaristia também demonstra esse aspecto nupcial, de um amor de entrega esponsal de Cristo Jesus à sua Igreja. Assim evidencia o livro do Apocalipse, no belo canto entoado pelas comunidades joaninas chamado as “Núpcias do Cordeiro” (cf. Ap 19,1-2.5-7).
A multiplicação dos pães (cf. Mt 5; 6; 7; 8; 9; 14; Mc 6; Lc 9; Jo 6)
Outro momento eucaristicamente marcante da vida de Jesus, é o chamado “milagre da multiplicação dos pães”. Aqui, dois elementos que, de certo modo, inauguram a Eucaristia. Primeiro nota-se a similaridade de dois momentos que formam o Ritual da Eucaristia: primeiro, Jesus faz um belíssimo Sermão, o mais importante e central de todos os seus ensinamentos, o famoso “Sermão da Montanha”.
Este é considerado, pela tradição, a Nova Lei que supera a Lei Mosaica e ressignifica todos os 10 Mandamentos da Lei divina, é a pregação central de Jesus, como que a única e definitiva Lei do Coração do Pai que deve orientar para a verdadeira vida feliz toda a humanidade alcançada pela pessoa de Jesus Cristo, a Lei do Amor.
A segunda parte é o momento da refeição. Lembre-se do esquema fundamental do Ritual Eucarístico: Palavra e Ceia. Após ter ouvido Jesus, as mais de 10.000 pessoas ali reunidas estavam famintas. Os discípulos apresentam a situação e a constatação “eles não têm o que comer” e Jesus diz: “dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16; Mc 6,37). Eles deram o que conseguiram encontrar, dois peixes e cinco pães. Jesus abençoa e pede para distribuir. O inusitado acontece: todos foram alimentados e ainda sobraram 12 cestos. Vale a pena em momento oportuno aprofundar os ricos significados deste evento e tudo o que envolve essa rica numerologia teológica dos Evangelhos.
Portanto, notamos bem claro estes dois elementos fundantes da Eucaristia, como a Palavra de Jesus que alimenta as multidões, em seguida, o mesmo que os alimentou pela Palavra os alimenta de pão, e em abundância conforme deixa claro ao notarmos “as sobras”. Isso para nos revelar que, mais do que a fome temporal, fisiológica, Ele oferece um alimento que vai além. Pão em abundância é sinônimo de vida em abundância; “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham abundantemente” (Jo 10,10).
Os discursos do pão da vida
No Evangelho de João veremos o profundo discurso de Jesus sobre o pão da vida. Aqui temos um dos textos eucarísticos mais claros e explícitos de sua origem presentes no Evangelho. “Eu sou o pão da vida”; “Quem comer deste pão viverá eternamente”; “Quem comer minha carne e beber do meu sangue, viverá eternamente” (cf. Jo 6,48-59). Nada mais claro e mais eucarístico do que essa declaração de Jesus. A “carne” e o “sangue” a que Jesus se refere é sua vida que se faz alimento neste “pão” que desce do céu. Aludindo claramente que não se trata de um simples pão, mas um pão que é seu próprio corpo e sangue, portanto, sua própria vida feita alimento.
A Última Ceia
Aqui chegamos ao centro e núcleo da fundação do Sacramento da Eucaristia. Na última ceia Jesus recria o Ritual Pascal e nele institui a síntese final de todos os significados da Eucaristia. É o memorial eterno, como Cristo mesmo quer que o celebremos. Tudo começa com uma preparação toda especial e rica em detalhes, chegado o momento há um gesto supremo do lava-pés, que demonstra o sentido serviçal de Deus na Eucaristia, em vista de realizar o mais sublime banquete da salvação, o banquete definitivo, o momento da entrega da grande herança aos seus discípulos, a Eucaristia, fonte de todos os bens de Deus. “Tomou o pão, abençoou, partiu e deu aos discípulos dizendo: Isto é o meu corpo que será entregue por vós (…) Tomou o cálice, abençoou e deu aos seus discípulos dizendo: tomai e bebei, este é o cálice da nova aliança, será derramado por vós e por todos, para a remissão dos pecados! (…) FAZEI ISTO em memória de mim” (cf. Mc 14,12-16.22-26; Mt 26,26-29; Lc 22, 19-20; 1Cor 11, 24-28). Esta é a ordem de Jesus aos seus. E fica claro de que o gesto realizado lhes garante sua presença e a salvação eterna.
A Paixão, Morte e Ressurreição (cf. Mc 14-16; Mt 24-28; Lc 22-24; Jo 17-21)
A Ceia Pascal de Jesus se traduz num acontecimento que vem em seguida. A sua paixão: o sofrimento da entrega, as incompreensões, os corações fechados à revelação do único e verdadeiro Deus, a sua morte na cruz, de onde de seu lado aberto jorram “sague e água” ou seja toda a sua vida é entregue, se faz a Eucaristia – O Sacrifício de Jesus Cristo, o próprio Deus feito homem, que se sujeita às últimas consequências de seu Amor, entregando sua vida e Seu Espírito. Ao participar da morte, Ele a aniquila definitivamente e nos entrega sua vida, a vida eterna.
Ressuscitado depois do 3º dia, o Dia eterno, o Dia da plenitude da graça e da verdade. Ao aparecer aos seus discípulos, sopra-lhes o novo sopro de vida, o Sopro do Espírito Santo, garantindo-lhes as chaves do céu. E por fim, uma das manifestações de sua Ressurreição mais eucarísticas: O encontro com os discípulos de Emaús, uma verdadeira Eucaristia tal como os primeiros Cristãos passaram a Celebrar. “E ao partir o pão, eles o reconheceram”(Lc 24,31). É neste PARTIR O PÃO que até os dias atuais os cristãos reconhecem a presença eterna e atuante do mestre Jesus, do Deus feito hóstia viva. Ele é o Sacerdote, o Sacrifício e a Entrega perfeita ao Pai, e ao nos unir a Ele realiza-se em nós a mesma obra que o Pai, n’Ele, por Ele e com Ele realizou, a ressurreição, a vida em plenitude, a ETERNA E SUPREMA FELICIDADE. Assim, as comunidades continuaram a Celebrar este sublime sacramento do Senhor, e dele nasceram e convergem todos os demais Sacramentos.